Sorriso Cubano
(por Carolina Bessa)
“Os cubanos estão sempre com um sorriso nos lábios. Mas choram por dentro”. A declaração do estudante da Universidad de La Habana deveria ser apenas uma resposta à minha indagação sobre a hospitalidade do povo da ilha. Na verdade, eu andava meio decepcionada com o tratamento que vinha sendo dado nos hotéis de Cuba a nós, turistas. Mas aquela frase me feriu como uma lança. Naquele momento percebi que, a ânsia por dólares tinha feito os funcionários do setor turístico esquecerem os valores morais ensinados há décadas com a Revolução de Fidel Castro. Só que eles não são os únicos habitantes daquela ilha tão polêmica.
Aquele jovem, que carregava o mesmo nome de El comandante, também lembrou que a tristeza que os cubanos levavam na alma, pelo aprisionamento de uma ditadura, não foi suficiente para apagar de suas faces a simpatia típica dos povos caribenhos. Não seria a falta de dinheiro, nem as restrições do sistema, que lhes tirariam a esperança. Fidel, o estudante, se orgulha de ter como mártir um ícone mundial como Che Guevara e diz que, ele sim, foi um verdadeiro socialista.
Perguntado sobre o que achava de seu xará, o Castro, o rapaz disse: “ele não é socialista". Seu amigo Vani, também universitário, tratou logo de completar o raciocínio: “Enquanto voltamos para casa com fome após perdermos seis horas escutando um discurso do presidente na Praça da Revolução, ele segue para a casa, em uma comitiva de dez carros, descansa em um quarto luxuoso e fuma seu charuto”. Mas a desilusão com o líder da Revolução de 59 não é unanimidade como o amor ao Che. Minutos depois, eu escutava de um taxista, que fez questão de se apresentar como Roberto, que a vida dos cubanos melhorou muito com a chegada de Fidel Castro ao poder. Eu relatei o descontentamento dos mais jovens e o homem respondeu: “eles não sabem o que era isso aqui antes da revolução”. Imediatamente explicou que a violência é uma palavra apagada do dicionário daquele povo. Segundo ele, não há assassinatos, tráfico de drogas ou assaltos. No máximo, um furto aqui e outro ali.
Se o socialismo segue sendo utopia na cabeça de alguns, ninguém faz questão de esconder o orgulho que têm da qualidade da educação e da saúde no país. O mesmo jovem que criticou a ditadura castrista enche a boca para lembrar que o ensino é gratuito e todos têm a educação básica assegurada. Ainda, de acordo com ele, não há analfabetismo na ilha. “Uma mãe que não leva seu filho à escola pode pegar 10 anos de prisão”, explicou Vani. As conquistas no campo educacional são expostas até no Museu da Revolução. Enquanto que em 1958 o orçamento para o setor era de 79,4 pesos e o gasto por aluno de 11 pesos, em 1990, o orçamento foi de mais de 1.856 pesos, sendo 175 para cada estudante.
A crise financeira causada pela queda da União Soviética, que ajudava economicamente a ilha, agravou a pobreza e ficou marcada na alma dos cubanos. Para se recuperar de um naufrágio, a população vê com bons olhos a chegada dos dólares através do turismo. Ao caminhar pelas ruas de Havana Velha não se fica um minuto sequer sem ouvir alguém pedir um dólar. Mas quem pensa que são pessoas marginalizadas, sujas e moribundas, que vivem nas ruas, se engana. São pessoas pobres sim, mas não mendigos ou excluídos sociais com os quais costumamos esbarrar nas esquinas cariocas. Não se vê meninos de rua, tampouco crianças doentes jogadas pelos cantos. Por mais humilde que seja sua vestimenta, não há um chiquito sem calçado.
Se o sorriso cubano está cada vez mais escasso, como disseram os jovens universitários, enquanto houver um show de salsa, existirá uma ponta de alegria. Assim como os brasileiros, nossos amigos latino-americanos são bastante musicais. Se nas ruas brasileiras sempre há uma baducada com cavaquinho e pandeiro, em Havana os velhinhos músicos se enchem de vigor ao mexer uma maraca e sentar para tocar um violão. Imediatamente surgirá um casal para dançar a salsa, a rumba ou outros ritmos calientes difíceis de distinguir um dos outros. Os cubanos também têm molejo no quadril e suas mulatas, tanta sensualidade quanto as nossas.
Quem conhece Cuba, no mínimo, se apaixona pela cultura, pela arquitetura e por seu ar de coisa antiga (por que não?). E quando pintar aquela vontade de falar sobre política, é claro que não dá para bater palmas para uma ditadura que aliena seu povo, mas também é impossível fechar os olhos para as conquistas sociais promovidas por El Comandante. Amar Ernesto Che Guevara é fácil: ele morreu. Quem não sente nostalgia quando fala dos ídolos mortos? O difícil é julgar um governo que se perpetua há mais de 40 anos sob a figura de um homem, que pela duração de seus discursos, parece que não vai morrer nunca.
Se é triste saber que os cubanos não têm acesso às informações, nem permissão para viajar a outro país, não vamos ser ingênuos de esquecer toda espécie de covardia que os norte-americanos têm feito através do embargo econômico, para provar que o socialismo não existe e nunca existiu. Não ver uma criança cheirando cola na calçada já é um alento ao coração. Por isso, quem conseguir, que atire a primeira pedra.
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