quinta-feira, setembro 18, 2003

Amor pela rede

Quem nunca passou por isso que atire a primeira pedra. O texto é do Mário Prata e roubei do site da Isabela Bastos. Veja se não se identifica:

AMOR SÓ DE LETRAS - Mário Prata

Conta a história que dom Pedro II casou-se sem conhecer a sua noiva.

Tinha visto um quadro com a cara da princesa. Casamento de interesses
políticos lá dos portugueses, fazer o que? E quando a moça chegou no porto
do Rio de Janeiro - consta que ele fez uma cara emocionada. Pela feiúra da
imperial donzela. Mas casou, era o destino, era a desdita.

Tenho um avô que foi pedir mão da moça e o pai dela disse: - Essa tá muito
novinha. Leva aquela.

E ele levou aquela que viria a ser a minha avó. Ah, a outra morreu
solteirona.

Quando aconteceu o grande boom da imigração japonesa, alguns anos depois,
familiares que lá ficaram mandavam noivas para os que cá aportaram. Tudo
no escuro. E de olhinhos fechados, ainda por cima.

De uns tempo para cá, o conceito da escolha foi mudando. Até ir para a
cama antes, valia. Ficava-se antes.

Só que agora, finzinho do finzinho do século, surgiu um outro tipo de
casamento. O casamento de letras. Letras de textos. O texto -
finalmente, digo eu, escritor - virou casamenteiro. Apaixona-se, hoje em dia, pelo
texto. Via internet. Via cabo, literalmente.

Conheço quatro casos bem próximos. Gente que desmanchou o casamento de
carne e osso por uma aventura no mundo das letras.

Claro que estou me referindo aos encontros via Internet. Começa no chat,
com o texto. Gostou do texto, leva para o reservado. E lá, rola. Eu mesmo já me
envolvi perdidamente por dois textos belíssimos. Moças de vírgulas acentuadas,
exclamações sensuais e risos de entortar qualquer coração letrado ou iletrado.

Sim, pela primeira vez nesta nossa humanidade já tão velhinha, as pessoas
estão se conhecendo primeiramente pela palavra escrita. E lida, é claro.

Já disse, isso envaidece qualquer escritor. Agora, o texto pode levar ao
amor. Uma espécie de amor-de-texto, amor-de-perdição.

A relação, o namoro, começa ali no monitor. Você pode passar algumas
horas, dias e até semanas sem saber nada da outra pessoa. Só conhece o texto
dela.

E é com o texto que vai se fazendo o charme. Você ainda não sabe se a
pessoa é bonita ou feia, gorda ou magra, jovem ou velha. E, se não for
esperto, nem se é homem ou mulher. Mas vai crescendo uma coisa dentro de
você. Algo parecidíssimo com amor. Pelo texto.

Pouco a pouco, você vai conhecendo os detalhes da pessoa. Idade, uma foto,
a profissão, a cor. Inclusive onde mora. Sim, porque às vezes você está
levando o maior lero com o texto amado e descobre que ele vem lá da
Venezuela. Ou do Arroio Chuí.
Mas se o texto for bom mesmo, se ele te encanta de fato e impresso, você
vai em frente. Mesmo olhando para aquela fotografia - que deve ser a melhor
que ela tinha para te escanear (ou seria sacanear, me perdoando o trocadilho
fácil) você vai em frente. "Uma pessoa com um texto desses..."

A tudo isso o bom texto supera.

Quando eu ouvia um pai ou mãe dizendo "meu filho fica horas na Internet",
todo preocupado, eu também ficava. Até que, por força do meu atual
trabalho, comecei a navegar pela dita suja.

E descobri, muito feliz da vida, que nunca uma geração de jovens
brasileiros leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou ele
está lendo ou escrevendo. E mais conhecendo pessoas. E amando essas
pessoas.

Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu tanto. E se comunicou tanto.
E leu tanto. E amou tanto.

No caso do amor ali nascido, a feitura, o peso, a cor, a idade ou a
nacionalidade não importam. O que é mais importante é o texto. O texto é
a causa do amor.

Quando comecei a escrever um livro pela internet, muitos colegas
jornalistas me entrevistavam (sempre a mim e ao João Ubaldo) perguntando qual era o futuro da literatura pela Internet.

Há quatro meses atrás eu não sabia responder a essa pergunta. Hoje eu sei
e tenho certeza do que penso: - Essa geração vai dar muitos e muitos escritores para o Brasil. E muita gente vai se apaixonar pelo texto e no texto.

Existe coisa melhor para um escritor do que concluir uma crônica com isso?

Quer uma prova? Estou fazendo um concurso de crônicas no meu site
(marioprataonline.com.br), entre os leitores/escritores. Entre lá e veja o
nível. Pessoas que há pouco tempo atrás odiava escrever redação nas
escolas, estão descobrindo o texto. Leiam e me digam se eu não estou
certo. E são jovens, muito jovens.

Como diria Shakespeare, palavras, palavras, palavras.

Como diria Pelé, love, love, love.

MÁRIO PRATA

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