Vi ontem o filme "Sempre ao seu lado", que conta a história da amizade de um cão com seu dono. No cinema, Richard Gere é um professor americano que encontra um filhote de Akita na estação de trem e o adota. Mas a história real do cãozinho Hachi ou Hachikō é muito mais emocionante e tem nuances mais interessantes que a ficção resolveu aproveitar.
Hachikō foi trazido a Tóquio, em 1924, pelo seu dono, Hidesaburō Ueno, um professor do departamento de agricultura da Universidade de Tóquio. O professor Ueno, que sempre foi um amante de cães, nomeou-o Hachi (Hachikō é o diminutivo de Hachi) e o encheu de amor e carinho. Hachikō acompanhava Ueno desde a porta de casa até a não distante estação de trens de Shibuya, retornando para encontrá-lo ao final do dia. A visão dos dois, que chegavam na estação de manhã e voltavam para casa juntos à noite, impressionava profundamente todos os transeuntes. A rotina continuou até maio do ano seguinte, quando numa tarde o professor não retornou em seu usual trem, como de costume.
A vida feliz de Hachikō como o animal de estimação do professor foi interrompida.Em 21 de Maio de 1925, Ueno sofreu um derrame súbito durante uma reunião de professores e morreu. A história diz que, na noite do velório, Hachikō, que estava no jardim, quebrou as portas de vidro da casa e fez o seu caminho para a sala onde o corpo foi colocado, e passou a noite deitado ao lado de seu mestre, recusando-se a ceder. Outro relato diz como, quando chegou a hora de colocar vários objetos particularmente amados pelo falecido no caixão com o corpo, Hachikō pulou dentro do caixão e tentou resistir a todas as tentativas de removê-lo.
Mas é depois disso que a parte realmente triste da história começa. Depois que seu dono morreu, Hachikō foi enviado para viver com parentes do professor Ueno, que morava em Asakusa, no leste de Tóquio. Mas ele fugiu várias vezes e voltou para a casa em Shibuya, e quando um ano se passou e ele ainda não tinha se acostumado à sua nova casa, ele foi dado ao ex-jardineiro do Professor Ueno, que conhecia Hachi desde que ele era um filhote. Mas Hachikō fugiu daquela casa várias vezes também. Ao perceber que seu antigo mestre já não morava na casa em Shibuya, Hachikō ia todos os dias à estação de Shibuya, da mesma forma como ele sempre fazia, e esperou que ele voltasse para casa. Todo dia ele ia e procurava a figura do professor Ueno entre os passageiros, saindo somente quando as dores da fome o obrigavam.
Por 10 anos, Hachikō aparecia ao final da tarde, precisamente no momento de desembarque do trem na estação, na esperança de reencontrar-se com seu dono.
Hachikō finalmente começou a ser percebido pelas pessoas na estação de Shibuya. Certa vez, um dos fiéis alunos de Ueno viu o cachorro na estação e o seguiu até a residência dos Kobayashi, onde conheceu a história da vida de Hachikō. Coincidentemente o aluno era um pesquisador da raça Akita, e logo após seu encontro com Hachikō, publicou um censo de Akitas no Japão. Na época haviam apenas 30 Akitas puro-sangue restantes no país, incluindo Hachikō da estação de Shibuya. O antigo aluno do Professor Ueno retornou frequentemente para visitar o cachorro e durante muitos anos publicou diversos artigos sobre a marcante lealdade de Hachikō.
Sua história foi enviada para o Asahi Shinbun, um dos principais jornais do país, que foi publicada em setembro de 1932. O escritor tinha interesse em Hachikō, e prontamente enviou fotografias e detalhes sobre ele para uma revista especializada em cães japoneses. Uma foto de Hachikō tinha também aparecido em uma enciclopédia sobre cães, publicada no exterior. No entanto, quando um grande jornal nacional assumiu a história de Hachikō, todo o povo japonês soube sobre ele e se tornou uma espécie de celebridade, uma sensação nacional. Sua devoção à memória de seu mestre impressionou o povo japonês e se tornou modelo de dedicação à memória da família. Pais e professores usavam Hachikō como exemplo para educar crianças.
Em 21 de Abril de 1934, uma estátua de bronze de Hachikō, esculpida pelo renomado escultor Tern Ando, foi erguida em frente ao portão de bilheteria da estação de Shibuya, com um poema gravado em um cartaz intitulado "Linhas para um cão leal". A cerimônia de inauguração foi uma grande ocasião, com a participação do neto do professor Ueno e uma multidão de pessoas. Pelo país afora a fama de Hachi se espalhou e a raça Akita cresceu. Hachi foi convidado várias vezes para aparecer como um convidado em mostras de cães, também miniaturas e cartões postais dele começaram a ser feitos.
Porém, mais tarde, a figura e lenda de Hachikō foi distorcida e usada como símbolo de lealdade ao Estado, aparecendo em propagandas que difundiam o fanatismo nacionalista que acabaram levando o país à Segunda Guerra Sino-Japonesa, no final da década de 1930 e também à Segunda Guerra Mundial. Lamentavelmente, a primeira estátua foi removida e derretida para armamentos durante a Segunda Guerra Mundial, em abril de 1944. No entanto, em 1948 uma réplica foi feita por Takeshi Ando, filho do escultor original, e reintegrada no mesmo lugar da anterior, em uma cerimônia em 15 de agosto. Esta é a estátua que está ainda hoje na Estação de Shibuya e é um ponto de encontro extremamente famoso e popular.
A fama repentina de Hachikō fez pouca diferença para a sua vida, pois ele continuou exatamente da mesma maneira como antes. Todo dia, ele partia para a estação de Shibuya e esperava lá pelo Professor Ueno para voltar pra casa. Em 1929, Hachikō contraiu um caso grave de sarna, que quase o matou. Devido aos anos passados nas ruas, ele estava magro e com feridas das brigas com outros cães. Uma de suas orelhas já não se levantava mais, e ele já estava com uma aparência miserável, não parecendo mais com a criatura orgulhosa e forte que tinha sido uma vez. Ele poderia ter sido confundido com qualquer cão mestiço.
Como Hachiko envelheceu, tornou-se muito fraco e sofria de dirofilariose, um verme que ataca o coração . Na madrugada de 8 de março de 1935, com idade de 11 anos,ele deu seu último suspiro em uma rua lateral à estação de Shibuya. A duração total de tempo que ele tinha esperado, saudoso, seu mestre, foi de nove anos e dez meses. A morte de Hachikō estampou as primeiras páginas dos principais jornais japoneses, e muitas pessoas ficaram inconsoláveis com a notícia. Um dia de luto foi declarado.
Seus ossos foram enterrados em um canto da sepultura do professor Ueno (no Cemitério Aoyama, Minami-Aoyama, Minato-ku, Tóquio), para que ele finalmente se reencontrasse com o mestre a quem ele havia ansiado por tantos anos. Sua pele foi preservada, e uma figura empalhada de Hachikō pode ainda ser vista no Museu Nacional de Ciências em Ueno.
Todo dia 8 de Abril é realizada uma cerimônia solene na estação de trem, em homenagem à história do cão leal.
Os Akitas
A lealdade dos cães da raça Akita já era conhecida pelo povo japonês há muito tempo. Em uma certa região do Japão, incontáveis são as histórias de cães desta raça que perderam suas vidas ao defenderem a vida de seu proprietários.
Onde quer que estejam e para aonde quer que vão, têm sempre "um dos olhos" voltados para aqueles que deles cuidam. Por causa desse zelo, o Akita se tornou Patrimônio Nacional do povo japonês, tendo sido proibida sua exportação.
Se algum proprietário não tiver condições financeiras de manter seu Akita, o governo japonês assume sua guarda.
Devido a todas suas qualidades, uma das províncias japonesas recebe seu nome, Akita-Ken. (fonte: wikipedia)
O verdadeiro Hachi
O Hachi do filme, com seu dono Richard Gere
a estátua de Hachi em frente à estação de Shibuya
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