Por Paulo Chico (do blog comunicação de 4)
10 considerações sobre a decisão do STF...
1 - Em primeiro lugar há uma confusão conceitual nessa decisão. O relator e presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, defendeu, no julgamento, a tese de que o jornalismo é profissão diferenciada que tem vinculação com o amplo exercício das liberdades de expressão e de informação. Segundo ele, exigir o diploma de quem exerce o jornalismo é contra a Constituição Federal, que garante liberdade de expressão e informação. Ora bolas, uma coisa não tem nada a ver com a outra! A liberdade de expressão já existe e permite que qualquer cidadão exponha suas opiniões e ideias, seja numa roda de conversa com amigos num bar ou numa manifestação solitária em cima de um banquinho no centro da cidade. Ou até mesmo nas seções de cartas dos jornais, onde qualquer leitor pode fazer valer suas palavras. E os blogs, como esse aqui? Querem exemplo mais pulsante de liberdade de opinião e expressão do que nossos diários eletrônicos?
2 - Exatamente para ser trabalhada com liberdade, a informação deve ser precisa, desde a sua apuração e checagem, até a redação e editoração final. É justamente para ser exercida com a devida liberdade, que a informação deve ser trabalhada de forma responsável, com técnica jornalística e isenção, por aqueles que estão formalmente habilitados e treinados para tal.
3 - Jornalista, que eu saiba, não está aí para emitir opiniões. Pelo contrário, somos doutrinados, e diariamente nos policiamos, exatamente para não fazê-lo. Como bem definiu a Débora Thomé, nós, peões da informação, somos, na verdade, meros transmissores de fatos e versões, contadores de histórias reais.
4 - Por isso mesmo, não vale a comparação com 'colunistas' em geral. Eles são muitos, é verdade. Ajudam a oxigenar qualquer publicação, quebrando exatamente a 'crueza' das matérias jornalísticas. Mas, ali, naquele espaço, eles fazem análise e emitem suas opiniões. E isso até faz parte do produto jornalístico. Mas, essencialmente, não é jornalismo. Os colunistas podem ser escritores, humoristas, músicos, cozinheiros, astrólogos, promoters, sociólogos, educadores, socialites, o diabo a quatro e, até mesmo, jornalistas, ali, naquele espaço, credenciados a emitir opinião.
5 - Fora um grito aqui e outro acolá, é muito tímida a reação da classe a essa absurda decisão. Somos - e me incluo nisso - absolutamente desunidos e desmobilizados. Onde estão os estudantes de Jornalismo que não se manifestam - na minha opinião, eles, que ainda não ingressaram no mercado, serão mesmo os principais atingidos. Imagine-se pai de um aluno de faculdade particular, desembolsando R$500 ou R$600 por mês (isso, por baixo) para, no fim, seu filho obter um diploma que não vale mais? Universitários de todo o país deveriam se manifestar. Que tal, num movimento nacional, todos trancarem as matrículas?
- Nas redações, ao menos neste primeiro momento, não devem ocorrer grandes mudanças. Não creio em demissões em massa para a contratação de pessoas não formadas. Fala-se que a queda do diploma representa o fim de uma restritiva 'reserva de mercado'. Que mercado, meu Deus?!? Cá entre nós, segue um aviso para quem pensa em se aventurar no front... O campo de atuação dos jornalistas não é nem um pouco atrativo. Sobram pressões, exploração, desrespeito e sobrecarga de trabalho. Faltam emprego e, para quem está empregado, salário.
7 - Interessante perceber o descaso da sociedade - e do STF em especial - em relação à qualidade da informação que a ela será oferecida. Mais curioso é perceber que em outras áreas de formação, como o Direito, providências foram tomadas em sentido contrário. Além da aprovação na faculdade, o graduado somente pode exercer a profissão após aprovação no Exame da OAB. Uma demonstração de zelo e preocupação em medir a qualidade da formação dos profissionais que chegam ao mercado. Dois pesos, duas medidas?
8 - É nítida a falta de qualidade de boa parte dos cursos de graduação em Jornalismo. Aliás, isso é evidente em muitos cursos superiores, e nas mais diversas faculdades deste país. Então, por qual razão não qualificá-los? Não torná-los mais atualizados com as exigências de habilidade e as tendências do mercado? Segundo membros do STF, os maiores 'pecados' dos maus jornalistas seriam no campo da má formação ética - o que evidenciaria a pouca relevância do curso superior, afinal não se trata de quesito de formação técnica, e sim de transmissão valores humanos. É preciso lembrar que maus exemplos éticos existem em todas as categorias profissionais que saem das universidades, de médicos a engenheiros. E até de quem não necessariamente passa pela faculdade, como políticos e líderes religiosos. Aliás, alguém aí se arriscaria ao ponto de colocar a mão no fogo por todos os advogados e juízes?
9 - Finalmente, a quem interesse um jornalismo praticado por não jornalistas? Uma imprensa, que no mundo todo experimenta uma de suas mais graves crises, ainda mais desqualificada? O que está por trás do lobby de grandes jornais, que dissimuladamente defenderam a tese e trabalharam pela derrubada da exigência do diploma? A quais interesses essa decisão do STF veio atender? Seria uma resposta do Judiciário que, ao lado do Executivo e do Legislativo, é constantemente bombardeado por denúncias de ineficiência e corrupção, geralmente frutos de investigação jornalística?
10 - Algumas entidades, como a Fenaj e ABI, ensaiam mobilização para tentar uma nova regulamentação da profissão, com a volta da exigência do nível superior para seu exercício. Parece-me que o deputado Miro Teixeira (PDT/RJ), cuja atuação foi fundamental na recente derrubada da Lei de Imprensa, tenta articular reação jurídica à decisão do STF. Vamos ver no que dá. Enquanto isso, sigo na profissão. E meu diploma continua onde sempre esteve, guardado na gaveta. Melhor assim. Pelo menos, evito passar pelo constrangimento de, frustrado e rebaixado, ter que retirá-lo da parede...
(22/06/09)
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