Uma rebelião de presos é sempre algo tenso e difícil. Sempre tinha acompanhado situações assim pela TV, mas em 2004 acabei indo fazer a cobertura de uma. Foi em uma então recém-inaugurada Casa de Custódia, que, na época, abrigava cerca de 900 detentos à espera de julgamento. O cenário era de descontrole. Presos haviam quebrado as paredes da Casa de Custódia e pelos buracos feitos no concreto exibiam, para quem estava do lado de fora, revólveres, celulares, facas. Autoridades já tinham começado a negociar e eles mantinham agentes carcerários como reféns.
Cheguei no local às 9h e lá já estavam dezenas de mulheres: esposas, irmãs,namoradas e mães dos acusados. Como era o segundo dia de rebelião, muitas tinham passado a noite em uma pracinha em frente ao presídio à espera de notícias.
O que mais me impressionou foi o poder de comunicação dos que estavam amotinados na casa de custódia com seus familiares. As mulheres gritavam do lado de fora e eles respondiam lá de dentro. Como pode? Nunca pensei que isso fosse possível. E pior, pessoas ligavam de um orelhão para os celulares dos presos. São os aparelhos que nos roubam nas ruas e chegam clandestinamente às casas de detenção.
Bom, ao longo do dia, enquanto o tempo passava, vários sentimentos me invadiram. O primeiro foi a raiva daquelas mulheres, ignorantes, mal-encaradas ali na frente, como se elas próprias, e não só seus companheiros, fossem bandidos. Elas absorvem o mesmo jeito e falam com a mesma agressividade de um criminoso. Exigiam Direitos Humanos aos seus familiares, como se aquelas pessoas presas tivessem respeitado os direitos dos que mataram, roubaram ou estupraram. Em um primeiro momento, a gente não se preocupa nem um pouco com os presos.
Depois, com um olhar mais cuidadoso, eu vi as mães daqueles homens. Mulheres pobres, sofridas, que não têm culpa do que seus filhos fizeram, nem concordam com seus atos, mas os defendem. Temem por suas vidas como se fossem pequenos garotos indefesos. Sem comer, sem dormir, elas faziam uma vigília sem fim como se assim impedissem que algo de mal acontecesse a eles. Aí a gente se compadece, sente pena daquelas pessoas. Dá até vontade de chorar com elas e por elas.
Dali em diante, veio a sensação de medo e angústia. Comecei a enxergar por perto também os familiares de reféns. Eram sobrinhos e filhos de agentes penitenciários que foram pegos pelos presos e estavam com a vida por um fio. Eles também sofriam pelos seus. Foi de partir o coração ouvir uma moça dizendo que o tio, viúvo, era policial reformado que voltou a trabalhar para fazer segurança do presídio. Mas um detalhe: quando estava na ativa ele era PM lotado no Hospital Central da Polícia Militar e desempenhava a função de técnico de raio-X, ou seja, o cara nunca participou de um conflito na rua, como a maioria dos PMs. Era mais uma vítima do sistema, que está todo errado.
Ao mesmo tempo em que eu torcia para que tudo acabasse logo, que a polícia invadisse, prendesse os líderes da rebelião, soltasse os reféns e tudo voltasse à rotina, vio à minha cabeça o exemplo do Carandiru. Lá no presídio paulista, os policiais truculentos, autorizados pelo Governador do Estado, invadiram a unidade mesmo com uma rebelião praticamente controlada e mataram desordenadamente 111 presos. Uma chacina de proporções alarmantes em que bandidos ficaram acuados, sendo metralhados sem nenhuma chance de defesa, amontoados uns por cima dos outros!
Naquele dia aprendi uma lição tanto profissional como humana. Aprendi que não há uma verdade, mas que há lados de uma sociedade ignorante, doente e desordenada. Um Estado ausente, o crime organizado e muita gente sendo absorvida por esse submundo. Crianças desde cedo vêem pais presos, convivem com a rotina dos presídios, invertendo valores. Triste, muito triste!
Hoje, com a nova política de segurança do Rio, torcemos que não só as UPPs sejam uma esperança para a população, mas que existam políticas públicas que punam com rigor, mas que também rediscutam o sistema carcerário no Brasil. Será que as prisões de segurança máxima resolvem o problema? Acho que não!
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